Desalma – Série (2020) – Resenha

Nova série brasileira, Desalma abusa do drama, e traz pouco do terror

Atualmente, o mercado cultural brasileiro tem mostrado sua capacidade em criar histórias instigantes, criativas, e tão boas quanto (melhores!) as que estamos acostumados nas superproduções estadunidenses.

No campo do terror, mesmo sem esquecer os clássicos imortais do Zé do Caixão, temos ótimas obras brasileiras recentes, como “Morto Não Fala”, ou “O Animal Cordial”. No campo das séries, temos poucas ainda que podemos colocar, mas Desalma pode entrar facilmente em qualquer lista atual e futura.

A série foi escrita por Ana Paula Maia, roteirista e escritora fluminense, dirigida por Carlos Manga Jr, e produzida pela Globo. Isso nos dá uma certa esperança em obras semelhantes no futuro, pois sabemos que a maior parte das produções globais são de comédias pastelão, que caem no gosto de seu público cativo.

Desalma – História

A história de Desalma se passa na fictícia cidade de Brígida, uma pequena comunidade fundada por imigrantes ucranianos, localizada no interior de Santa Catarina. Por ser uma comunidade pequena, a cidade carrega fortemente as tradições e cultura de seus antepassados ucranianos.

No primeiro episódio, presenciamos o suicídio de Roman Skavronski (interpretado por Nikolas Antunes em sua fase adulta, e por Eduardo Borelli em sua fase jovem), se atirando do alto de uma cachoeira. Sem entender a razão de seu suicídio, a esposa de Roman, Giovana (interpretada por Maria Ribeiro), decide recomeçar a vida com suas filhas Melissa (interpretada por Camila Botelho) e Emily (interpretada pela pequena Juliah Melo), na cidade natal de seu marido, a pequena cidade de Brígida.

Roman Skavronski em sua versão jovem e adulta – Foto: André Hawk/Globoplay

Roman sempre evitava falar sobre seu passado para a família, o que envolve Brígida em um mistério ainda maior para Giovana e suas filhas. Aos poucos, ela vai conhecendo o restante da família, especialmente a prima Ignes (interpretada por Cláudia Abreu). Enquanto Giovana descobre um pouco mais sobre Brígida e seus segredos, os próprios habitantes da cidade (especialmente as famílias Skavronski e Burko) possuem seus fantasmas para enfrentar (ou esconder).

Ignes Skavronski jovem e adulta – Foto: André Hawk/Globoplay

Um dos piores segredos de Brígida envolve a morte de Halyna (interpretada por Anna Mello), filha da bruxa Haia Lachovicz (otimamente interpretada por Cássia Kis), durante a festa de Ivana Kupala em 1988, uma tradicional comemoração pagã dos eslavos. O assassinato da jovem causou traumas na cidade, que interrompeu a comemoração durante 30 anos.

Para avançar na trama, Desalma intercala a história entre 1988 e 2018. A história contada em 1988 serve como base para o desenrolar do que acontece em 2018, e ajudam a entender os acontecimentos, e as motivações dos personagens. Os saltos temporais são feitos de forma bem didática, e não deixam o espectador perdido.

Agora, a cidade decidiu que a comemoração deveria retornar. E coisas estranhas também começaram a acontecer em Brígida…

O Folclore Eslavo

A história de Desalma se baseia mas tradições e folclore da cultura eslava, focando na festa de Ivana Kupala, que é uma deidade da fertilidade e purificação. A cerimônia é realizada em sua homenagem, durante o solstício de verão.

E vale ressaltar aqui que as cenas da festa, tanto em 1988 quanto em 2018, são muito bem trabalhadas e conseguem transmitir a beleza dos ritos da cerimônia. Embora a gente veja que a versão de 2018 é uma visão repaginada, com neon e DJ tocando no palco.

Celebração de Ivana Kupala em 1988
A festa de Ivana Kupala retratada em Desalma, em sua forma mais tradicional, em 1988
A versão de 2018 já é mais modernizada, com neons e DJ

Outro folclore que é trazido para a série são as Mávkas (pronuncia-se Málcas), que são espíritos que vagam nas florestas e atraem as pessoas para lá. Os jovens de Brígida contam que Halyna teria virado uma Mávka, após ser assassinada, e vaga pela floresta da cidade, à procura de vingança.

A bruxa Haia também reforça esta possibilidade, quando diz que uma pessoa não morre e desaparece. Mas o que acontece é que seu espírito, feito de átomos, está vivo e vagando pelo mundo, em conjunção com a matéria do universo.

Imagem representando uma Mávka, um dos pontos centrais em Desalma.
Mávkas são espíritos que rondam as florestas – Foto: depositphotos.com

Elenco

Por ser uma produção original da Globo, Desalma traz um elenco de peso, com muitos rostos conhecidos para quem acompanha suas obras, seja na TV ou no cinema.

Podemos contar com as ótimas interpretações de atrizes do porte de Cássia Kis e Cláudia Abreu, que elevam o nível da série.

Cassia Kis é a bruxa Haia em Desalma.
Cássia Kis dá vida à bruxa Haia Lachovicz – Foto: Estevam Avellar/Globo

Alguns atores coadjuvantes não trazem o mesmo nível dos protagonistas, mas cabem dentro do ritmo mais lento que a série traz em seu todo.

Vale destacar a interpretação de Anna Melo como Halyna, e da interação das famílias e amigos quando jovens, que também mostram uma interação bastante convincente.

Halyna, a filha da bruxa Haia – Foto: André Hawk/Globoplay

Vale ressaltar que o protagonismo feminino no seriado é muito forte, e traz uma unidade importante para Desalma.

Evolução e Fechamento

Desalma conta com 10 episódios, que é uma quantidade suficiente para introduzir a comunidade, evoluir o enredo e os personagens, e ter uma conclusão satisfatória.

Durante a evolução, os personagens já dão muitas dicas sobre o que está acontecendo. Isto que permite o espectador acompanhar o desenrolar da história sem se perder no final. Apesar disso, algumas coisas poderiam ficar mais abertas, dando apenas uma sugestão do que aconteceu, e não deixar tão explicitado.

Embora a série esteja focada no folclore eslavo, falando de bruxas e outras coisas sobrenaturais, o terror em si não é um ponto central em Desalma. Em alguns pontos o terror é presente, como a cena de Anatoli com o boneco, conversando com Ignes. A cena que se desdobra em seguida nos deixa um tanto desconfortável. Mas, no final das contas, temos uma história de drama pessoal misturada com misticismo, do que uma história de terror propriamente dita.

Anatoli pede para Ignes perguntar ao boneco como ele chegou lá

Desalma – Conclusão

Desalma caminha por trilhas não usuais dentro do que o espectador médio costuma consumir. Mas a popularização de serviços de streaming como Netflix, e o próprio Globoplay, facilitam o acesso dos assinantes a produções diferentes. Dessa forma, o caminho fica mais fácil para consumir séries que saem da mesmice que estamos acostumados em nosso país.

Como mencionamos no nosso Criptacast #19 – Never Explain Anything, às vezes o não dito é melhor que o dito. Mas isto não é algo que estrague a experiência toda da série, e coloca Desalma como um dos melhores seriados já feitos no Brasil.

Infelizmente, a série está disponível apenas para assinantes do Globoplay, mas esperamos que a Globo libere, sem muita demora, em seu canal aberto.

Desalma está disponível exclusivamente pelo serviço de streaming Globoplay.

Gosta de produções brasileiras? Confira nosso artigo sobre Nove Jogos de Terror Brasileiros!

About Fernando Lobo

Fã de jogos de Terror desde que colocou as mãos em uma cópia de Resident Evil, no Sega Saturn, em 1996. Consumidor frequente de literatura de terror e ficção, busca sempre novos autores neste nicho. Jogo preferido: Silent Hill 2. Livro preferido: O Iluminado.